O Exercício do Direito à Propriedade frente à Simulação
O Acórdão nº 1401-002.307, publicado em 08 de maio de 2018 pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), renovou as esperanças dos contribuintes com relação à oponibilidade de planejamentos tributários à Receita Federal do Brasil (RFB) considerando a procedência, por unanimidade de votos, do recurso voluntário que sustentou a licitude da escolha de um caminho menos oneroso, do ponto de vista fiscal, para a alienação de ações.
A operação questionada pela RFB se deu por meio de uma reestruturação societária com a finalidade de transferir a propriedade do bloco de controle da empresa Suzano Petroquímica S.A. (Suzano Petroquímica) à Petrobrás, utilizando-se da apuração do ganho de capital por meio do regime aplicável às pessoas físicas.
Inicialmente, as ações da Suzano Petroquímica eram detidas por três empresas distintas no Brasil e uma no exterior.
Em um lapso temporal de aproximadamente três meses as ações da Suzano Petroquímica foram objeto de uma redução de capital, sendo entregues aos acionistas pessoas físicas, pelo seu valor contábil, com amparo no art. 22 da Lei nº 9.249, de 1995 e posteriormente capitalizadas em uma empresa veículo que, por sua vez, tiveram suas ações aportadas pelos acionistas pessoas físicas em outra empresa veículo de forma que, em apertada síntese, ao final da reestruturação, a empresa veículo detentora indiretamente das ações da Suzano foi alienada à Petrobras, deslocando-se assim o ganho de capital ao regime tributário aplicável às pessoas físicas.
A RFB, ao analisar a reestruturação realizada, compreendeu que houve a prática de simulação, uma vez que a redução de capital social motivada pelo seu excesso não teria sido verdadeira, desconsiderando-se tais atos e aplicando, ainda, a multa de ofício qualificada. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) frisou, ainda, a simulação do negócio jurídico com o propósito de evasão fiscal e a ausência de propósito negocial.
Os acionistas pessoas físicas impugnaram as alegações trazidas pela RFB e pela PGFN e alegaram i) as exigências contratuais para a compra da Suzano Petroquímica, feitas pela Petrobrás; ii) a legalidade da utilização do regime de tributação do ganho de capital afeto às pessoas físicas, conforme o art. 22 da Lei nº 9.249/95; iii) a perda da função econômica quando as holdings deixam de ter intenção de participar no objeto econômico de suas investidas, justificando-se a redução de capital por este ser excessivo; iv) a boa-fé na reestruturação realizada, uma vez que a operação foi levada ao conhecimento da RFB por meio de consultas à aplicação da legislação tributária, não apreciadas em seu mérito.
O voto do Relator Abel Nunes de Oliveira Neto compreendeu que a operação não estava eivada de nenhum impedimento legal ou contratual. Assim, os acionistas pessoas físicas realizaram, na operação, o legítimo exercício do direito de propriedade e optaram por um caminho legalmente lícito por meio do qual tributou-se o ganho de capital pelo regime jurídico aplicável às pessoas físicas, não se falando em abuso de direito.
Este recente precedente é de extrema importância ao considerarmos os recorrentes argumentos da RFB e da PGFN que buscam deslegitimar reestruturações societárias que resultam em uma opção menos onerosa ao contribuinte, aplicando ainda, diversas vezes, multas qualificadas de 150% sobre o valor do débito apurado.
Fez-se uma luz, portanto, às discussões administrativas ao interpretar a decisão em comento como lícito o direito de escolha do contribuinte da opção menos onerosa e, ainda, o seu legítimo exercício de propriedade.
O necessário contraponto reside no Acórdão nº 1401-002.196, da sessão de 21 de fevereiro de 2018, prolatado pela mesma 4ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da 1ª Seção de Julgamento do CARF, também sob a relatoria de Abel Nunes de Oliveira Neto.
Na ocasião a redução de capital da Arainvest, por meio da devolução das ações da Aracruz pelo seu valor contábil aos sócios Moise e Joseph Safra e posterior alienação à Votorantim Celulose e Papel S.A. foi interpretada como um rearranjo não oponível à RFB, por ausência de interesse econômico alheio à redução da carga tributária (15% sobre o ganho de capital nas pessoas físicas contraposto aos 34% se tributados no regime da pessoa jurídica) e existência de cláusula de tag along aplicável à Arainvest e não às pessoas físicas.
Ressalte-se que o recurso voluntário não foi provido por voto de qualidade e, passados 22 dias da decisão desfavorável, o mesmo relator utilizou-se do argumento do legítimo exercício do direito à propriedade para entender uma reestruturação societária, com os mesmos elementos, como válida.
Apesar da mais recente decisão ser favorável, a previsibilidade e a segurança jurídica continuam cotidianamente ameaçadas.
Autor: Zancan Advogados.